Especialistas apontam modulação dos efeitos e debate sobre limites para a aplicação de multas como pontos cruciais do futuro julgamento
A inconstitucionalidade da multa de 150% aplicada em processos fiscais está no centro das atenções com o iminente julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). A medida, aplicada em casos de sonegação, fraude ou conluio, tem levantado debates sobre seu caráter punitivo e confiscatório. Advogados tributaristas compartilham suas análises e preocupações sobre os efeitos que uma eventual declaração de inconstitucionalidade pode gerar, tanto para os contribuintes quanto para o sistema fiscal do país.
Katia Gutierres, sócia do Barcellos Tucunduva Advogados e especialista em Direito Tributário, destaca que a principal crítica à multa reside no fato de que ela ultrapassa 100% do valor do tributo, violando o princípio da vedação ao confisco, garantido pela Constituição Federal. “Além do efeito confiscatório, essa multa compromete os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, resultando em uma punição desproporcional ao patrimônio do contribuinte”, explica Katia. Ela também chama a atenção para o risco de o STF adotar a modulação de efeitos, o que limitaria a restituição dos valores pagos indevidamente apenas aos contribuintes que já questionam judicialmente a multa. “Essa modulação seria uma forma de proteger os cofres públicos, mas poderia frustrar muitos contribuintes que já pagaram essas penalidades”, argumenta a advogada.
Thulio Carvalho, mestre em Direito pela PUC-SP, reforça a questão da desproporcionalidade da multa. Ele lembra que o STF já invalidou multas superiores a 100% em outros casos, como quando o percentual chegava a 500%. Para Thulio, o fato de a multa de 150% ainda ser aplicada mesmo após a promulgação da Lei 14.689/2023, que reduziu as penalidades no âmbito federal, gera uma situação de insegurança jurídica. Ele prevê que, se o STF mantiver a decisão de reduzir a multa a 100%, ela terá impacto não apenas nas multas federais, mas também nas estaduais, que ainda aplicam percentuais elevados. “Há uma banalização da aplicação de multas por suposta infração dolosa em casos de simples discordância do fisco quanto à interpretação dada pelo contribuinte à lei fiscal. Isso piorou muito a partir do momento em que se passou a pagar remuneração variável aos agentes fiscais, baseada no valor das autuações realizadas”, alerta Thulio.
Outro ponto polêmico abordado por Thulio é o impacto orçamentário que a decisão pode causar. Caso o STF declare a multa inconstitucional e aplique a retroatividade, a União e os estados podem enfrentar uma avalanche de pedidos de restituição dos valores pagos a maior. “Há um risco financeiro considerável para o Estado, o que pode pressionar ainda mais os cofres públicos já fragilizados”, diz Thulio.
Marcelo Costa Censoni Filho, sócio do Censoni Advogados Associados, acrescenta que o julgamento do STF pode abrir um precedente importante não só para a questão das multas, mas também para a cobrança de juros sobre dívidas fiscais. “Os juros aplicados em casos fiscais frequentemente ultrapassam percentuais razoáveis, o que agrava ainda mais a penalidade imposta aos contribuintes”, afirma. Ele também destaca que a postura punitiva adotada pelo Estado, com multas excessivas, afasta o caráter educativo que deveria estar presente na sanção fiscal. “Quando a multa é desproporcional, ela se transforma em um verdadeiro confisco patrimonial, algo que o próprio STF já tem consolidado em sua jurisprudência como inconstitucional”, completa.
Para Katia Gutierres, a redução das multas pode gerar um efeito duplo. Se, por um lado, incentiva a regularização de dívidas fiscais, por outro, pode resultar em uma maior disposição dos contribuintes a correr riscos, já que as penalidades seriam menos severas. “A decisão precisa encontrar um equilíbrio, para que não incentive a sonegação, mas também não puna de forma desmedida os contribuintes”, argumenta a advogada.
Além disso, o possível impacto nas receitas públicas também é um ponto de grande interesse. “O STF terá um grande desafio pela frente: proteger os direitos constitucionais dos contribuintes, sem comprometer a arrecadação tributária e a sustentabilidade fiscal do Estado”, conclui Marcelo.
Com o julgamento do STF ainda pendente, as expectativas são altas. A decisão terá repercussão direta sobre o futuro dos processos fiscais no Brasil e sobre o comportamento do Fisco e dos contribuintes diante de um cenário tributário marcado por desafios jurídicos e econômicos.
Fontes:
Katia Gutierres, sócia do Barcellos Tucunduva Advogados, especialista em Direito Tributário (IBET/SP) e Gestão Tributária (FIPECAFI/SP), mestra em Direito Constitucional e Processual Tributário (PUC/SP),
Marcelo Costa Censoni Filho, sócio do Censoni Advogados Associados, especialista em Direito Tributário e CEO do Censoni Tecnologia Fiscal e Tributária,
Thulio Carvalho, advogado tributarista e mestre em Direito pela PUC-SP.