A importância da boa tradução para a comunicação jurídica

Lost in translation – ou como se perder em uma tradução de má qualidade

Por Grace Perpetuo

Vamos começar pelo começo, caro leitor, pois vivemos em tempos viciados quanto à comunicação e à interpretação de texto – e esta verdade apenas se agrava quando o assunto é tradução.

Como sabemos, traduzir – segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, “fazer passar (uma obra) de uma língua para outra, trasladar, verter” ou “exprimir, interpretar” – pode ser arte ou desastre.

Como arte, traduzir é fruto de uma mistura sutil de sensibilidade e conhecimento; de interpretação correta e expressão acurada de significados; de minuciosa compreensão de subjetividades e inferências; e de um mar de outras sutilezas que não cabe aqui enumerar.

Como desastre, naturalmente, é resultado de um corta-e-cola desleixado a partir do Google Tradutor ou semelhantes: Microsoft Translator; DeepL; Reverso; Babylon; e Linguee. Este último, a propósito, se destaca entre os demais por oferecer numerosas e diferentes interpretações – de diversos tradutores – para um mesmo termo ou expressão. O Linguee promete oferecer traduções que vão do que “os engenheiros usam para peças técnicas” a “como os principais escritórios de advocacia expressam termos jurídicos em francês, espanhol e alemão”, por exemplo.

Mas voltemos ao Google. Não se pode negar que o Tradutor é uma ferramenta extraordinária com a qual é possível traduzir do português para mais de cem idiomas. Aliás, em 2021 o Google anunciou que foram incluídas 24 novas línguas na ferramenta – entre elas o Guarani, usado por 7 milhões de pessoas na América do Sul – e que o Tradutor havia passado a reconhecer e traduzir 133 línguas no total. A tentação de confiar nele, portanto, é enorme. Mas é preciso usá-lo com cautela.

Para quem se preocupa com a boa comunicação, o Google Tradutor é uma falácia perigosa. (Recentemente, por exemplo, alguém traduziu “Lula”, o presidente, como “squid”, o molusco – e não faltam outras piadas recorrentes. Há o notório “chorar lobo”, tradução do Google para “cry wolf”, que, em inglês – por causa da lenda em que um menino mente repetidamente ao alardear a presença de um lobo e acaba devorado, sem receber socorro, quando o animal aparece de verdade – significa “dar alarme falso”.) Para a literatura e a poesia, portanto, o Google Tradutor é quase inútil. Para o jornalismo, é bastante ineficaz. Para a comunicação jurídica, evidentemente, a coisa ganha ares exponencialmente mais graves: a precisão e a exatidão, neste caso, são absolutamente imprescindíveis. E assim por diante.

Mas não é só o Google Tradutor quem erra. Ainda que bem-intencionados, o mais comum entre os tradutores menos experientes de português/inglês, por exemplo, é apenas verter a estrutura das frases da Língua Portuguesa ao inglês – criando o famoso e comum “português em inglês”. É preciso conhecer profundamente o idioma ao qual se está vertendo o texto original, porque suas estruturas são quase sempre diferentes.

Um exemplo: “a divulgação do discurso do presidente foi eficaz”. Muitos – e o Google Tradutor – traduziriam esta frase ao inglês como “the dissemination of the president’s speech was effective”. A tradução está incorreta, pois a estrutura repete a do português em inglês. Uma das formas corretas desta frase traduzida ao inglês seria: “The president’s speech was efficiently communicated” ou “disclosed” ou “published”, variando de acordo com o contexto da frase e a forma como o discurso foi divulgado.

Na comunicação jurídica, especialmente, é preciso observar também que o inglês é muito mais sucinto que o português. A tradução literal de um texto jurídico em português frequentemente levará a um texto em inglês prolixo, truncado e de difícil compreensão. O melhor, neste caso, é simplificar ao máximo a ideia que se quer verter ao inglês, para que a tradução seja também clara e objetiva. O inglês complexo e com ares shakespearianos deve passar longe da comunicação jurídica.

QUALIDADE – Mas como se defender da multidão de pseudo tradutores que se valem do Google Tradutor para executar esse trabalho tão sensível? Uma boa pedida é buscar tradutores que tenham uma das línguas com as quais trabalha como nativa. Ou buscar profissionais verdadeiramente qualificados no portal do Sindicato dos Tradutores, por exemplo.

Vale lembrar, por fim, o trecho do artigo A Arte de Traduzir, do romancista, poeta, tradutor e entomologista russo-americano Vladimir Nabokov (1899-1977). O artigo foi publicado originalmente em 4 de agosto de 1941 na revista New Republic e, em um trecho especialmente cáustico (aqui traduzido para o português), diz que “o pior grau de torpeza é atingido quando uma obra-prima é aplainada e moldada até assumir uma forma odiosamente embelezada de maneira a se adequar às noções e preconceitos de um determinado público”. Nabokov estava se referindo à tradução de uma obra literária, é claro, mas suas palavras não são excessivas quando se trata do que deve ser um bom tradutor.

“Agora podemos deduzir os requisitos que um tradutor precisa ter para produzir uma versão ideal de uma obra-prima estrangeira. Primeiro deve ter o mesmo talento, ou pelo mesmo o mesmo tipo de talento que o autor escolhido. […] Em segundo lugar, deve conhecer plenamente as duas nações e os dois idiomas envolvidos e estar perfeitamente familiarizado com todos os detalhes referentes à maneira e métodos do autor. Além disso, o tradutor precisa estar familiarizado com o contexto social das palavras, as modas, história e associações históricas e da época dessas palavras. Isso leva ao terceiro ponto: embora tendo gênio e conhecimento, precisa possuir o dom da imitação e ser capaz de representar o papel do verdadeiro autor, imitando seus trejeitos de conduta e discursos, suas maneiras e sua mente, com o mais alto grau de verossimilhança.”

Em outras palavras: a boa tradução é coisa rara – e textos mal traduzidos são potenciais bombas prestes a explodirem silenciosamente na mente de quem os lê. Quando bem traduzidos, ao contrário, conseguem não só expressar a ideia original quanto enriquecê-la, quem sabe. Entre os dois extremos, continuaremos a viver às custas de muita experimentação.

Grace Perpetuo é jornalista e tradutora anglo-brasileira, além de redatora da M2 Comunicação Jurídica.

A M2 Comunicação Jurídica é uma agência de comunicação integrada, voltada para advogados e escritórios de advocacia.

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