Alterações inverte o ônus da prova e cria uma presunção de simulação em operações que são distintas e só questionadas em casos de abuso de direito comprovado, onde o ônus da prova seria do Fisco, dizem especialistas
As alterações propostas ao Projeto de Lei Complementar 108/2024 na Câmara dos Deputados, preveem a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre a distribuição de dividendos desproporcional às participações societárias de sócios vinculados, como familiares, sem a exigência de um propósito negocial subjacente.
Para Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur Advogados, mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT), essa mudança traz sérias implicações.
“Se essas alterações passarem, serão uma ‘pedra no sapato’ para muitas empresas, especialmente na estruturação de planejamentos tributários, incluindo as holdings patrimoniais,” destaca Natal.
Ele explica que a proposta assume que a desproporcionalidade na distribuição de dividendos configuraria uma doação disfarçada, o que geraria o fato gerador do ITCMD. “Essa alteração inverte o ônus da prova contra os contribuintes, criando uma presunção de simulação sem esclarecer os meios para provar o propósito negocial, o que abre espaço para subjetividade e insegurança jurídica”, complementa.
Carlos Crosara, especialista em direito tributário pela PUC/SP e mestre em Direito Tributário pela USP, advogado do escritório Natal & Manssur Advogados, ressalta que a alteração proposta equipara, indevidamente, operações societárias legítimas à doação.
“Em condições normais de negócio, a distribuição desproporcional de dividendos, cisões desproporcionais e aumentos ou reduções de capital social a preços diferenciados não podem ser tratadas como doações, mesmo quando realizadas entre familiares. Essas operações são distintas do ponto de vista jurídico e só poderiam ser questionadas em casos de abuso de direito comprovado, onde o ônus da prova seria do Fisco,” explica Crosara.
Além disso, Natal enfatiza que o legislador complementar, ao ampliar e distorcer conceitos de direito privado, busca indevidamente elastecer a competência tributária dos Estados e do Distrito Federal sobre o ITCMD, o que é vedado pelo Código Tributário Nacional. “O exercício de direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, como o direito de organizar livremente as atividades econômicas, não pode ser relativizado sem provas de abuso de direito, dolo, simulação ou fraude,” afirma Natal.
Crosara acrescenta que, caso a alteração seja aprovada, poderá haver uma violação ao princípio da isonomia. “Essa distinção criaria um tratamento tributário mais gravoso para operações realizadas entre pessoas vinculadas, enquanto as mesmas operações entre não-vinculadas estariam isentas de tributação. Isso é uma clara afronta à igualdade tributária,” conclui Crosara.
O debate sobre o PLP 108/2024 segue acalorado, e os especialistas alertam para a necessidade de um exame criterioso das implicações legais e constitucionais antes de qualquer avanço no texto proposto.
Fontes:
Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur Advogados, mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT).
Carlos Crosara, especialista em direito tributário pela PUC/SP e mestre em Direito Tributário pela USP, advogado do escritório Natal & Manssur Advogados