Reforma tributária: especialistas apontam desafios na composição e na gestão do Comitê Gestor do IBS

“No Brasil, não existe um histórico de redistribuição fraternal de receitas, e o federalismo sempre foi marcado por disputas fiscais”, diz tributarista 

A criação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com autonomia inédita no Brasil, traz à tona uma série de questionamentos sobre sua eficácia e o impacto na arrecadação de estados e municípios. Especialistas em direito tributário analisam as dificuldades que esse modelo pode enfrentar e apontam possíveis conflitos, ressaltando a necessidade de mecanismos claros e transparentes para assegurar a equidade no novo sistema tributário. 

O advogado Eduardo Brusasco Neto, sócio do escritório Brusasco e Corinti Advogados, destaca que o comitê gestor terá uma missão desafiadora ao assumir responsabilidades como zelar pela arrecadação, distribuir receitas entre os entes federativos e gerenciar a compensação de débitos e créditos. “Embora seja previsto que o comitê possua independência orçamentária e técnica, é inevitável que haja um período de ajuste inicial que pode afetar sua eficiência e controle. Além disso, os municípios menores podem sofrer mais com a falta de clareza na distribuição de receitas, pois o processo de adaptação ao novo sistema tributário será longo e marcado por disputas”, avalia Brusasco Neto. 

O especialista também acredita que a ausência de regras claras no início pode comprometer a efetividade do comitê e a correta alocação de recursos entre os municípios. 

Marcelo Costa Censoni Filho, sócio do Censoni Advogados Associados, chama a atenção para a composição paritária do Comitê Gestor do IBS, que pode gerar impasses, favorecendo estados mais populosos nas decisões sobre a distribuição de receitas. “A representatividade populacional pode influenciar as decisões em detrimento dos interesses dos municípios menores, que são mais vulneráveis. A necessidade de um quórum qualificado para as decisões do comitê pode criar uma dinâmica de poder que favorece estados maiores, colocando os municípios de menor porte em desvantagem. A governança do Comitê exigirá mecanismos claros de resolução de conflitos para garantir que o sistema funcione de forma eficaz e justa para todos os entes federativos”, alerta Censoni, enfatizando que a efetiva implementação do IBS dependerá da criação de regras que assegurem uma distribuição de receitas equilibrada. 

Ranieri Genari, advogado e consultor tributário na Evoinc, acrescenta que a autonomia do comitê afeta diretamente o princípio do Federalismo, que garante autonomia financeira aos entes federativos. Segundo Genari, a composição do comitê, responsável por decidir a divisão da arrecadação, precisa de balizas claras para evitar que estados e municípios sofram perdas de receita devido ao lobby de outros entes. “O grande problema é que, sem critérios bem definidos, a autonomia do comitê pode prejudicar a distribuição justa da arrecadação. A recente decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3837, que reafirmou o repasse de 25% do ICMS aos municípios, mesmo nos casos de extinção do débito por compensação ou transação tributária, mostra a necessidade de manter a estabilidade das receitas municipais, mesmo com a reforma”, destaca. 

Carlos Crosara, advogado tributarista do escritório Natal & Manssur Advogados, observa que a proposta de reforma tributária no Brasil não encontra paralelos em outros países, o que amplia as incertezas sobre a atuação do Comitê Gestor do IBS. “Não há como prever como o comitê vai operar na prática, uma vez que a autonomia prevista é algo inédito. A tendência é que representantes de estados e municípios mais ricos busquem garantir uma fatia maior da arrecadação do IBS, intensificando as desigualdades regionais. O federalismo brasileiro sempre foi marcado por disputas fiscais, e é preciso cuidado para não acentuar ainda mais as diferenças entre os municípios, especialmente os menores, que já enfrentam dificuldades para se manter”, comenta Crosara. 

Sobre a judicialização, os especialistas concordam que esse é um cenário praticamente inevitável. Eduardo Brusasco Neto observa que o histórico de divergências entre os entes federativos indica que haverá muitos questionamentos judiciais. “Com as inúmeras propostas de emendas à Constituição, é esperado um período de disputas judiciais até que a jurisprudência sobre as novidades trazidas pela reforma se estabilize. Isso gera incertezas e pode prejudicar a implementação do IBS, afetando especialmente os municípios menores, que são mais dependentes de transferências de receita”, alerta. 

Marcelo Costa Censoni Filho acredita que a judicialização pode atrasar a implementação efetiva do imposto e trazer ainda mais incertezas para os municípios. “Uma legislação ambígua pode resultar em uma série de litígios, e os municípios precisam estar preparados para defender seus interesses nesse cenário. É importante que eles acompanhem de perto a regulamentação do IBS e desenvolvam estratégias para diversificar suas receitas e fortalecer suas capacidades administrativas, evitando assim prejuízos em sua arrecadação”, recomenda Censoni. 

Ao final, Carlos Crosara faz um alerta sobre o processo de implementação do IBS. “A sociedade deve se preparar para um período de debates e incertezas. A reforma tributária é necessária, mas é fundamental que seja conduzida com cautela para evitar problemas que possam comprometer a distribuição justa de receitas e a estabilidade fiscal do país. No Brasil, não existe um histórico de redistribuição fraternal de receitas, e o federalismo sempre foi marcado por disputas fiscais. Sem uma gestão cuidadosa e transparente do Comitê Gestor do IBS, corremos o risco de acentuar as desigualdades regionais e prejudicar especialmente os municípios menores, que já enfrentam dificuldades em manter uma arrecadação estável”, conclui o advogado. 

Fontes: 

Fontes: 

Carlos Crosara, especialista em direito tributário pela PUC/SP e mestre em Direito Tributário pela USP, advogado do escritório Natal & Manssur Advogados, 

Eduardo Brusasco Neto, sócio do Brusasco e Corinti Advogados e especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), 

Marcelo Costa Censoni Filho, sócio do Censoni Advogados Associados, especialista em Direito Tributário e CEO do Censoni Tecnologia Fiscal e Tributária, 

Ranieri Genari, advogado especialista em Direito Tributário pelo IBET, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/Ribeirão Preto, consultor tributário na Evoinc. 

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