A sanção da lei que aumenta a pena para crimes cometidos contra mulheres com o uso de inteligência artificial (IA) representa um avanço na tentativa de coibir formas de violência intensificadas pela tecnologia. Contudo, especialistas apontam que o despreparo do Judiciário para lidar com provas digitais e a ausência de uma regulação robusta das redes sociais podem dificultar a efetiva aplicação da nova norma. A percepção é de que a lei, por si só, não é suficiente para garantir a proteção das mulheres no ambiente digital.
A nova legislação alterou o artigo 147-B do Código Penal, majorando a pena para o crime de violência psicológica contra mulheres quando este envolver o uso de IA ou outras tecnologias capazes de alterar imagens e sons. O principal objetivo é combater a disseminação dos chamados deepfakes, técnica utilizada para criar vídeos ou imagens falsas com alta verossimilhança, frequentemente empregados para fins de humilhação e intimidação.
Avanço Legislativo e Desafios na Aplicação
Pedro Porto, advogado criminalista, considera a nova lei uma “importante adaptação do Direito Penal aos crimes emergentes e à sofisticação das formas de violência psicológica de gênero no ambiente digital”. Ele também destaca a consonância do dispositivo com tratados internacionais de proteção à mulher. No entanto, Porto ressalta que a falta de regulamentação das plataformas digitais pode ser um obstáculo, mas o maior desafio reside no despreparo dos órgãos de investigação e acusação para o tratamento de provas digitais, como a preservação da cadeia de custódia e a compreensão técnica da produção de deepfakes.
Mariana Félix, advogada criminalista, compartilha da visão sobre o esforço de adaptação do Direito, mas enfatiza que a segurança das mulheres no ambiente digital demandará um conjunto de medidas, incluindo políticas públicas de educação midiática, suporte psicológico às vítimas e o fortalecimento da perícia estatal. Para Félix, a criminalização isolada não é suficiente.
Críticas e Perspectivas sobre a Eficácia da Lei
Mariani Bortolotti Fiumari, advogada criminalista e professora de Direito Penal, avalia que a lei foi uma resposta “rápida e fácil” ao aumento de casos, mas questiona a criminalização como a forma mais eficaz de impedir tais práticas. Ela aponta para as dificuldades investigativas e probatórias, como a identificação de autores no ambiente digital e a complexidade da perícia para comprovar a manipulação por IA.
O criminalista Alberto Zacharias Toron critica a aprovação da lei, classificando-a como mais um capítulo do populismo penal. Ele argumenta que existem outras formas de coibir crimes além do aumento de penas e que medidas educativas e preventivas seriam mais eficazes. Toron vê a nova lei como um mero simbolismo do Direito Penal, sem efetividade prática.
Raquel Mesquita, criminalista, ressalta que o surgimento de novas leis penais “de acordo com o tema da vez” nem sempre produz o efeito desejado e que a violência contra a mulher continua a crescer apesar do aumento de punições nos últimos anos. Ela defende um conjunto robusto de medidas, incluindo a participação da sociedade, escolas e empresas no combate à misoginia.
Jenifer Moraes, doutoranda em Direito Penal, considera que a lei adiciona problemas a um artigo do Código Penal já existente com falhas de construção, gerando dubiedade interpretativa e aumentando as dificuldades práticas já enfrentadas.
Em suma, a criminalização do uso de IA contra mulheres crime é vista como um passo importante no reconhecimento e na tentativa de punição de novas formas de violência de gênero. No entanto, a efetividade da lei dependerá da superação dos desafios relacionados ao despreparo técnico do sistema de justiça e à necessidade de uma regulação mais abrangente do ambiente digital, além da implementação de políticas públicas de prevenção e suporte às vítimas.
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